Edgar Morin - O arquiteto da complexidade


Sociólogo francês propõe a religação dos saberes com novas concepções sobre o conhecimento e a educação


Mudanças profundas ocorreram em escala mundial nas últimas décadas do século 20, entre elas o avanço da tecnologia de informação, a globalização econômica e o fim da polarização ideológica entre capitalismo e comunismo nas relações internacionais. Diante desse cenário, o sociólogo francês Edgar Morin, hoje com 87 anos, percebeu que a maior urgência no campo das idéias não é rever doutrinas e métodos, mas elaborar uma nova concepção do próprio conhecimento. No lugar da especialização, da simplificação e da fragmentação de saberes, Morin propõe o conceito de complexidade.


Ela é a idéia-chave de O Método, a obra principal do sociólogo, que se compõe de seis volumes, publicados a partir de 1977. A palavra é tomada em seu sentido etimológico latino, "aquilo que é tecido em conjunto". O pensamento complexo, segundo Morin, tem como fundamento formulações surgidas no campo das ciências exatas e naturais, como as teorias da informação e dos sistemas e a cibernética, que evidenciaram a necessidade de superar as fronteiras entre as disciplinas. "Ele considera a incerteza e as contradições como parte da vida e da condição humana e, ao mesmo tempo, sugere a solidariedade e a ética como caminho para a religação dos seres e dos saberes", diz Izabel Cristina Petraglia, professora do Centro Universitário Nove de Julho, em São Paulo.

Para
o pensador, os saberes tradicionais foram submetidos a um processo reducionista que acarretou a perda das noções de multiplicidade e diversidade. A simplificação, de acordo com Morin, está a serviço de uma falsa racionalidade, que passa por cima da desordem e das contradições existentes em todos os fenômenos e nas relações entre eles.



Pré-história do saber
Acima de tudo, o sociólogo francês defende a introdução da incerteza e da falibilidade na rigidez cultural do Ocidente. As limitações causadas pela compartimentação do conhecimento, de acordo com o educador, são responsáveis por manter o espírito humano em sua pré-história. Além disso, a tendência de aplicar conceitos abstratos vindos das ciências exatas e naturais ao universo humano resulta em desconsideração por aspectos como o ambiente, a história e a psicologia, entre outros. 






Um exemplo, diz o pensador, é a economia, a mais avançada das ciências sociais em termos matemáticos e a menos capaz de trabalhar com regularidades e previsões.





A Era da Incerteza


O início do século 20 foi marcado por duas revoluções científicas: a teoria da relatividade de Albert Einstein (1858-1947) e a mêcanica quântica de Max Planck (1879-1955). Ambas obrigaram a humanidade a rever doutrinas e tiveram aplicações nas mais diversas áreas, da filosofia à indústria bélica. A teoria quântica, por exemplo, derrubou certezas da Física e as substituiu pela noção de probabilidade. A relatividade pôs em questão os conceitos de espaço e tempo. Para completar, na termodinâmica, Niels Bohr (1885-1962) chegou à necessidade de tratar as partículas físicas tanto como corpúsculos quanto como ondas. Quando tudo parecia incerto e relativo, a teoria do caos, já na segunda metade do século, veio, de certa forma, na direção oposta, ao demonstrar que também nos sistemas caóticos existe ordem. Essas e outras reformulações do conhecimento humano levaram Morin a definir sete "princípios-guia" da complexidade, interdependentes e complementares. São eles os princípios sistêmico (o todo é mais do que a soma das partes), hologramático (o todo está em cada parte), do ciclo retroativo (a causa age sobre o efeito e vice-versa), do ciclo recorrente (produtos também originam aquilo que os produz), da auto-eco-organização (o homem se recria em trocas com o ambiente), dialógico (associação de noções contraditórias) e de reintrodução do conhecido em todo conhecimento.







Para recuperar a complexidade da vida nas ciências e nas atividades humanas, Morin recomenda um pensamento crítico sobre o próprio pensar e seus métodos, o que implica sempre voltar ao começo. Não se trata de círculo vicioso, mas de um procedimento em espiral, que amplia o conhecimento a cada retorno e, assim, se coaduna com o fato de o homem ser sempre incompleto – o aprendizado é para toda a vida. "A reforma do pensamento pressupõe a consciência de si e do mundo", diz Izabel Cristina. "Ela decorre da reforma das instituições e vice-versa."




Nos processos em espiral, é necessário conhecer os conceitos de ordem, desordem e organização. Do ponto de vista da complexidade, ordem e desordem convivem nos sistemas. O que diferencia o todo da soma das partes é o que Morin denomina comportamento emergente. Nos seres humanos, a dinâmica entre ordem e desordem se subordina à idéia de auto-eco-organização: a transformação extrapola o indivíduo, se estendendo ao ambiente circundante. Uma vez que tudo está interligado, a solidariedade é tida pelo sociólogo como peça fundamental para superar aquilo que denomina crise planetária – uma situação de impotência diante de incertezas que se acumulam.


Quer saber mais?
A Cabeça Bem-Feita, Edgar Morin, 128 págs., Bertrand Brasil, tel. (21) 2585-2000, 25 reais
A Religação dos Saberes, Edgar Morin, 588 págs., Ed. Bertrand Brasil, tel. (21) 2585-2000, 69 reais
Edgar Morin - A Educação e a Complexidade do Ser e do Saber, Izabel Cristina Petraglia, 120 págs., Ed. Vozes, tel. (24) 2246-5552, 20 reais
Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, Edgar Morin, 118 págs., Ed. Cortez, 22 reais 

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