A linguagem do desenho




"O desenho, enquanto linguagem, requisita uma postura global. Desenhar não é copiar formas, figuras, não é simplesmente proporção, escala. A visão parcial de  um objeto nos revelará um conhecimento parcial desse mesmo objeto.  Desenhar objetos, pessoas, situações, animais, emoções, ideias, são tentativas de aproximação com o mundo. Desenhar é conhecer, é apropriar-se."





"A linha, elemento essencial da linguagem gráfica, não se subordina a uma forma que neutraliza suas possibilidades expressivas. A linha pode ser uniforme, precisa e instrumentalizada, mas também pode ser ágil, densa, trepidante, redonda, firme, reta, espessa, fina, permitindo infindáveis possibilidades expressivas."   







O desenho é a memoria visível do acontecido. Fotografia mental, emocional e psíquica. 






Jogar, projetar, arriscar, inventar novas leis de organização de espaço
e tempo.



O desenho constitui para a criança uma atividade total, englobando o conjunto de suas potencialidades e necessidades. Ao desenhar, a criança expressa a maneira pela qual se sente existir.



A criança reinventa todo o processo de aquisição de conhecimento por que passou a humanidade:
desde o manejo de instrumentos, como a colher, a faca, o lápis, até conquistas intelectuais, como a capacidade humana de abstrair, corresponder, conceituar.


A criança é extremamente fiel aos seus desejos e necessidades o que confere um tom de veracidade a todos os seus gestos.






A garatuja não é simplesmente uma atividade sensório-motora, descomprometida e ininteligível. Atrás dessa aparente "inutilidade" contida no ato de rabiscar estão latentes segredos existenciais, confidências emotivas, necessidades de comunicação.









A criança olha para o lápis e não sabe de onde nasceu a linha: se foi da mão,
do lápis 
ou do fundo do papel.





A criança rabisca pelo prazer de rabiscar, de gesticular, de se afirmar. 









Quando desenha no papel o objeto que existe fora dela, a criança interage com ele, com o lápis, a cor, o chão, a parede, ligando a sua ação com os mais diversos movimentos corporais: exclama, canta, balança ou até manifesta o silêncio. A criança promove uma comunhão entre ela e o meio, entre ela e o cosmos. 







Tal como o instrumento é o prolongamento da mão, o mundo é o prolongamento do corpo. A relação física e sensorial que a criança estabelece com o desenho possibilita a experiência de novas realidades.








A criança em suas garatujas, obedece às  suas necessidades afinando com um desejo de significação e afirmação de seu ser no mundo.







A criança, num determinado momento, percebe que tudo aquilo que está depositado no papel partiu dela. Não lhe foi dado, foi inventado por ela mesma. Inaugura-se o terreno da criação.






O dinamismo, a flexibilidade, e a transitoriedade do movimento se manifestam na pontinha do lápis, transformando a criança num ente criador, que se projeta na sua obra. No ato de desenhar, a criança é o papel, o lápis, a linha, o objeto, a pontinha que contactua e mergulha nesse universo anímico e mutante. 
Desenhar concretiza material e visivelmente a experiência de existir.







O desenho, fábrica de imagens, conjuga elementos do domínio da observação sensível do real e da capacidade de imaginar e projetar, 
vontades de significar.



O desenho configura um campo minado de possibilidades, confrontando o real, 
o percebido 
e o imaginado.










A arte não imita o visível, 
torna visível.






O desenho, como exercício do desejo, se transforma em manifestos de identidade.





A capacidade de imaginar é de suma importância para o conhecimento, incluindo o conhecimento científico.
Imaginar é projetar, é antever, é a mobilização interior orientada para determinada finalidade antes mesmo de existir a situação concreta.



O desenho é o manifesto de si mesmo.
O artista cria a si próprio ao criar o mundo 






A criação é um existir ainda não existido.





O papel é território livre e sem lei.






Uma  imagem que sempre me vem na cabeça,
quando desenho ou vejo outras pessoas desenharem,
é de que a linha é um ser vivo e sonhador.
Quando um lápis, ou uma pena ou uma caneta, movidos por uma vontade, começam a percorrer a superfície branca do papel e nesse serpentear mágico,
principia a criar riscos, garatujas, construções, seres, mundos,
é como se a linha estivesse sonhando tudo aquilo.... 


Texto: Edith Derdyk - Formas de pensar o desenho.
Fotos: Bárbara Sant'anna 


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