Um poeta na alta corte
“A ciência pode classificar
e nomear um sabiá
mas não pode medir seus encantos.”
(Manoel de Barros)
Vivemos hoje uma realidade
complexa, múltipla, rápida, difusa, bruta, incerta... A vida contemporânea nos
desafia diariamente. Precisamos entender esta dinâmica, sua multiplicidade para
nos situarmos e agirmos com responsabilidade, e assim satisfazermos nossas
atuais necessidades como humanos. E lançar mão da ciência e de todos os saberes
historicamente construídos é um meio mais que necessário, é imprescindível para
tais conquistas. Mas é certo também entendermos que as certezas não são
absolutas, elas variam a cada nova descoberta ou invenção.
“A grande descoberta do
século é que a ciência não é o reino da certeza. Ela se baseia, seguramente,
numa série de certezas locais e especialmente situadas. A
ciência é de fato um domínio de múltiplas certezas, e não o da certeza absoluta
no plano teórico.”
(Morin, 1998, pp.
12-19)
Por mais que tentemos, não
conseguimos reduzir esta multidimensionalidade a regras rígidas e esquemas
fechados de ideias, isso simplifica e sucateia nossa própria existência. A
realidade só pode ser entendida por um sistema de pensamento aberto,
abrangente, reflexivo, flexível e principalmente sensível; o que configura uma
nova visão de mundo e, conseqüentemente, uma nova visão de educação.
Uma educação que busca abranger o
conhecimento histórico e social construído pela humanidade sem negar sua
multiplicidade e incerteza, uma concepção mais humana, que nos capacita a ver e viver melhor no
mundo.
A revista Carta Capital – edição de 2 de maio de 2012 – nos contemplou com
uma bonita reportagem do atual presidente do STF, o ministro Aires Britto. “Um poeta na alta corte”. Suas palavras
confirmam nossa crença em uma educação para a vida.
Aires Brito: Sou um estudioso do direito, nunca deixo de votar equacionando a causa
juridicamente a partir da constituição. Posso pecar até por excesso, votos
alongados, mas todos são rigorosamente fundamentados. Estou convencido de que
essa postura humanista não briga com a ciência do direito.(...)
Antes era: a ciência do direito não é incompatível com o humanismo.
Hoje é: não há ciência do direito sem humanismo.
Essa nova concepção de educação
que compatibiliza e incorpora as subjetividades humanas às ciências, norteia e
subsidia nossas ações aqui na Escola Espaço Criativo. As crianças são
convidadas a experimentar a realidade na sua inteireza e complexidade, para
que percebam como tudo se organiza e
acontece. Elas aprendem a acessar não só
as áreas do conhecimento científico, mas também, através de experiências
humanizadoras, a exercitarem o corpo, a imaginação, os sentidos e os
sentimentos, para entenderem e viverem o mundo. Entendemos que a arte, enquanto
linguagem, interpretação e representação do mundo, tem muito a contribuir para
a formação integral dos nossos alunos.
No processo criativo, as crianças
vivenciam aspectos como incerteza, flexibilidade, mudança e subjetividade, e a
escola reserva um espaço legítimo e cotidiano para o fazer arte.
Nisso, somos novamente
respaldados pelo presidente do STF, na continuidade da reportagem da Revista
Carta Capital:
R: O que o senhor aconselharia a um jovem juiz para que tenha uma formação
humanista como a sua?
Aires Brito: A abertura para a arte. Muito teatro, cinema, música,
poesia, canto, dança… Que ele entenda que só a arte salva o mundo das garras da
mesmice. A arte é sinônimo de estética, e os gregos colocavam a estética ao
lado, com a mesma importância, da justiça, da bondade e da verdade. A arte é o
caminho para o humanismo, que é o lado direito do cérebro, não por acaso
chamado de lado feminino. Tampouco é à toa que a palavra Direito seja masculina
e a palavra Justiça seja feminina. Sentença vem do verbo sentir.
R:
Se fosse citar um poeta para terminar este papo, quem seria?
Aires Brito: Citaria Fernando Pessoa, que sempre nos convidava para arrumar as malas rumo ao infinito.
Aires Brito: Citaria Fernando Pessoa, que sempre nos convidava para arrumar as malas rumo ao infinito.
A vida e a condição humana se
manifestam no Direito, na História, na Geografia, na Literatura, na Matemática,
na Arte... para nos ensinar a viver, para que possamos construir significativamente
nossa própria existência. O educador que exclui a possibilidade poética da
incerteza, da contradição, do desaprender, do brincar com o infinito, não exerce
sua maestria. Uma educação voltada para a “razão sensível” reconduz,
pois, os antagonismos à complementaridade para sermos inteiros, melhores e mais
bonitos. Esta é a nossa ideia, este é o nosso ideal.